terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Desigualdade na Literatura

Hoje iniciamos a nova seção do blog: Desigualdade na Literatura com um poema de um dos maiores poetas da Literatura Brasileira: Carlos Drummond de Andrade

A flor e a náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me''? Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse. Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase. Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem. Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal. Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima. Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor. Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Essa poesia foi escrita em um período de guerras, mortes e catástrofes, no entanto se encaixa também no cenário atual de desigualdades mundiais. O mundo tem diversos problemas, muitas pessoas não tem onde morar, o que comer.
Mas é o momento de fazer revolução? Não e nunca será. A história humana nos mostra que a violência e as revoluções geram apenas mais prejuízos e pioram a situação daqueles que são menos favorecidos, sendo que em muitos casos inclusive a repressão feita pelas forças do governo acabam por matar milhares de pessoas.
Todavia surge uma esperança e enquanto esperança permanecer existindo, a humanidade tem como converter o quadro atual, o caminho não é lutar contra o sistema batendo diretamente de frente, mas sim fazer o que estiver a nosso alcance para mudar essa situação sem o uso da força.

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